Thursday, June 7, 2007

Texlom

O dossier Texlom tem alimentado debates em diversos quadrantes
Falência forjada ou estrutural?
Arão Valoi

Em 2001, caía o último “monstro” do sector têxtil nacional:a Texlom, SARL. As razões do colapso dividem opiniões e ninguém sabe, ao certo, o que terá acontecido. Com uns a apontarem problemas estruturais, e outros a advogarem razões de ordem gerencial, as contradições vão alimentando debates e páginas de jornais. O certo é que um grupo, representando um total de 1200 ex-trabalhadores da empresa encontra-se, desde aquele ano a protagonizar manifestações em diferentes instituições do Estado. Começou por se reunir na própria fábrica, na Matola. Passou para os escritórios da Texlom, na Avenida Filipe Samuel Magaia na Cidade de Maputo e, nas últimas semanas, têm se manifestado no edifício do Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE). O grupo é liderado por Patrício Francisco. Este sempre foi o representante dos trabalhadores na Texlom. Em conversa com o Meianoite, patrício explicou que os trabalhadores reclamam o pagamento de subsídio de férias e 13º vencimento, correspondentes aos anos 1997 e 2001, num valor global de 27 biliões de Meticais (cálculos em 2004), sendo 18 do 13º vencimento e 9 de subsídio de férias.

Patrício referiu que estes direitos são reconhecidos pelo Comité de Gestão da Texlom. De resto, as reivindicações constam de uma carta, na posse do Meianoite, enviada pelos ex-trabalhadores ao IGEPE. Só que a carta em alusão acrescenta, para além daquelas reclamações, a exigência da garantia de Segurança Social para os reformados que, tal como conta Patrício, foram “erradamente compensados” e a revisão do termo de contrato de trabalho, tendo em conta alguns dispositivos legais, nomeadamente, a Lei do Trabalho, nos números 4 e 7 do Artigo 68.

A história já tem “barba branca”. Mas agora está a mover “meio mundo”, tendo até chegado, em carta, a Presidência da República. O representante do grupo dos manifestantes afirmou que, depois de 5 anos de reivindicações sem resposta satisfatória, em 2006, os ex-trabalhadores lavraram uma missiva ao Gabinete do Presidente Armando Guebuza. Passaram 12 meses, sem que a resposta chegasse. “Insistimos. O Gabinete do Presidente forjou uma carta-resposta com nr. 1308/PR/GAB/2006 cujo conteúdo não coincidia com o que se tinha dito na carta anterior”.

Por isso, na esperança de que Armando Guebuza, com seu discurso incisivo e de repressão contra actos de corrupção, fosse dar o devido seguimento, voltaram a rebater, através de reenvio de mais um esclarecimento sobre as reais reivindicações. Esta foi escrita a 11/Set/2006. A nova resposta do Gabinete Presidencial, a que não tivemos acesso, “dava orientações ao IGEPE para que reabrisse e reconsiderasse o dossier Texlom”, tal como garantiu Patrício Francisco. Esta carta foi, imediatamente, encaminhada ao Instituto de Gestão das Participações do Estado, onde os antigos funcionários já se encontravam amotinados. O IGEPE, por sua vez, através do cunho do Administrador Silvestre Sechene, emitiu um documento a distanciar-se de tudo quanto exigiam os amotinados, porquanto, tratava-se de assunto ultrapassado. A nossa reportagem teve acesso ao documento. Em linhas gerais, o IGEPE dizia que “... o processo dos ex-trabalhadores da Texlom culminou com o pagamento das indemnizações devidas, facto que ocorreu após acordos alcançados e, constantes da Acta Final de 03/Setembro de 2001, assinada por todas as partes envolvidas”.

É convicção do IGEPE que “este processo decorreu de forma negociada entre a Comissão de Gestão e os ex-trabalhadores, representados pelo respectivo Comité Sindical, com o permanente envolvimento da Direcção Provincial de Trabalho de Maputo, o Sintevec-Sindicato nacional dos trabalhadores da indústria têxtil, vestuário, couro e calçado e o Ministério das Finanças”. Na sequência destes acordos, sustenta o IGEPE, o pagamento de salários, do pré-aviso e de indemnizações decorreu entre Setembro de 2001 e Junho de 2003, período acordado por todas as partes, uma vez que se tratava de 1200 pessoas e, por conseguinte, os valores a desembolsar pelo Estado, serem elevados”. Os “ficheiros secretos” a que o Meianoite teve acesso referem que o Estado pagou, a título do pré-aviso, de indemnizações e de salários em atraso, incluindo os reformados, cerca de 63 mil milhões de Meticais da antiga família. Terá sido, aliás, por causa disto que aquela instituição do Estado considera o caso “ultrapassado”, tanto é que, tal como se refere o documento, “a situação que levou à paralisação e posterior encerramento da Texlom não foi caso único”. E diz mais: “praticamente todo o sector de produção têxtil nacional foi afectado pela conjuntura internacional no domínio da indústria têxtil e que levou à paralisação de unidades económicas e consequente indemnização aos trabalhadores, pela cessação dos vínculos contratuais”. Os ex-trabalhadores não concordam com esta justificação. Falam de “falência forjada” para “alimentar interesses de corrupção”.
Para esclarecer esta “nuance”, o Meianoite foi ao “encalço” do dossier Texlom e explica, tudo sobre a fábrica que já foi considerada “um monstro” no país.

O que era a Texlom?

A Texlom foi constituída em 1966, como uma Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada (SARL). Começou a produzir em 1973. Eram accionistas da Texlom, nomeadamente, o Instituto de Crédito de Moçambique (ICM) que viria, a posterior, a dar lugar ao Banco Popular de Desenvolvimento (BPD), privatizado em 1997. O ICM detinha 25% do capital. Seguia-se uma lista de accionistas que incluía a Emose (15%), a FONCAR (11.4%) a FIUL (10%) e outros, que são ilustrados no quadro a seguir.

Quadro I: Estrutura accionista da Texlom aquando da sua constituição


Sócios
% Capital
Instituto de Crédito de Moçambique (ICM)
25%
Emose
15%
FONCAR (representado por Homem de Melo)
11.94%
FIUL
10%
Banco Standard Totta
6%
SOEFIM
6%
Petromoc
3.75%
Outros
15%

Estruturalmente, a Texlom era uma unidade verticalmente integrada, ou seja, era composta pelos sectores de fiação, tecelagem e tinturaria e acabamentos. O Presidente da Comissão de Gestão da empresa, Higino Pateguane, referiu em entrevista, que terá sido esta uma das razões da falência da Texlom. “Houve uma altura que unidades integradas já não eram sustentáveis. Era preferível ter sectores separados, cada um a trabalhar de forma independente, com custos de operação próprios”. Possuía ainda como complemento da sua actividade produtiva, um sector de manutenção, composto por oficinas de serralharia, electricidade, canalização de água, vapor e ar comprimido, carpintaria, caldeira e oficinas auto; um sector administrativo constituído pelos serviços de contabilidade, planificação, vendas, expedientes, aprovisionamento e recursos humanos.

O “monstro” tinha uma capacidade instalada de cerca de 18 milhões de metros quadrados de tecido por ano. “Esta capacidade resultou de sucessivos investimentos na ampliação da fábrica”, assegura Higino. Esta informação é também partilhada pelos ex-trabalhadores que acrecentam que “em 1974, depois de ter começado com endividamento (tinha adquirido equipamentos na França), registou o seu maior “boom” ao produzir em pleno”. Ainda reinava o tempo das “vacas gordas”. Por isso, a Administração “até teve que pagar o 14º vencimento”, lembram. A empresa produzia basicamente para o consumo interno. Segundo Higino Pateguane, terá feito algumas exportações, mas não tão significativas, sobretudo, no período em que se juntou a SOGETX e com maior impulso dado pela FONCAR. As exportações, eram de tela crua. Os ex-trabalhadores lembram com alguma mágoa os momentos áureos da empresa. “inesquecível”, lamenta Patrício. Mas o que terá levado a Texlom à falência?

A justificação do Governo

Há uma justificação comum, sobretudo para os representantes do Governo: falência estrutural. Ou por outras, nas condições em que a empresa produzia, dado o contexto situacional, já não apresentava viável. O Director Nacional da Indústria, Sérgio Macamo, bem como o próprio Presidente da Comissão de Gestão, coincidem na análise que fazem, uma vez que apontam os seguintes factores, como tendo sido responsáveis pelo colapso da fábrica:

● Condições tecnológicas

Os dois contam que a empresa tinha sérios problemas do equipamento. Não foi feito, durante muito tempo, alguma modernização. Porém, Higino Longame, por sinal a pessoa que mais conhece a situação da empresa, explica que a situação técnica do equipamento fabril apresentava-se muito diferenciada. Ou por outras, existia um equipamento moderno, mas grande parte era obsoleto e irrecuparável. Ora, este cenário ficou a dever-se pelo facto de não se ter feito alguma assistência. Por outro lado, “as dificuldades de aquisição de acessórios contribuíram significativamente para a degradação que se verificou em grande parte das máquinas”, explica Pateguane que acrescenta que esta situação foi mais visível nos departamentos de fiação, preparação da tecelagem e nos equipamentos laboratoriais e de climatização. Patrício Francisco e os colegas apontaram, ( a isto reconhece também o Governo) no entanto, que de 1986 a 1989 a fábrica beneficiou de um programa de reestruturação financiada pelo Governo Francês. Só que para o Executivo, esta apenas incidiu sobre a parte industrial. “As instalações fabris, o departamento de tecelagem e todos os equipamentos auxiliares não se beneficiaram de qualquer intervenção de manutenção e reparação, desde que a fábrica foi erguida”, afiançou Higino. O sector de tecelagem, por exemplo, era o mais crítico. Era constituído por equipamentos de uma geração bastante antiga e que os produtores já deixaram de fabricar. Dados obtidos pela nossa reportagem reportam que este sector, “o mais importante”, segundo Patrício, dispunha de 370 teares, sendo que 342 eram da marca Picanol e 28 da marca Sulzer. O que existia, até à data do encerramento da fábrica, eram 96 teares completamente avariados. Higino Pateguana referiu que até a data de paralisação, este sector só estava habilitado a produzir um máximo de 10 milhões de metros quadrados, quase 50% da sua capacidade instalada. “Se a tecelagem não produzisse em pleno, a fábrica estava condenada ao fracasso”, indicou. O sector de acabamentos também enfermava de graves problemas. Parte considerável do equipamento havia sido fabricado nos princípios da década 70. Idêntica situação acontecia no sector de fiação.

● Problemas de mercado

Há um dado a reter nas afirmações, quer dos representantes do Governo, quer dos ex-trabalhadores. Que a Texlom começou a ressentir-se de problemas nos princípios da década de 1990, ano em que a Constituição da República introduzia a economia de mercado. Aliás, esta situação de liberalização, tal como refere o presidente da Comissão de Gestão, é que fez com que entrassem, no país, têxteis provenientes de países como China, Japão e outros países. De resto, quer o Director da Indústria, quer o da Comissão de Gestão da Texlom lembraram que Moçambique tinha uma vasta indústria têxtil de confecções e de calçado, espalhada quase por todo o País. “São sobejamente conhecidas as fábricas como a Textáfrica, EMMA, Progresso - de Manica; Texmoque - de Nampula; Texmanta - de Cabo Delgado; Riopele, Texlom - de Maputo província, Têxtil de Mocuba – Zambézia e de confecções que desapareceram do cenário económico do País”.
Com a abertura do mercado, o governo permitiu também a invasão massiva ao mercado de roupa velha e sapatos usados, “baixando, de forma drástica, a procura pelo produto interno novo e de boa qualidade, que os nossos operários faziam com esmero”, disse Patrício, para quem vários milhares de operários e outros intermediários foram empurrados para o exército de desempregados.Para o economista Nelson de Sousa, “os camponeses também ficaram afectados: perderam o seu principal cliente que eram as fábricas têxteis e de calçado”, sublinhou. Para ele, “o argumento oficial de que os equipamentos estão obsoletos, que não poderiam produzir tecidos de qualidade capaz de concorrer em pé de igualdade no mercado, parece não ter uma sustentação lógica e aceitável”.

● Problemas financeiros

Um documento confidencial a que o Meianoite teve acesso, refere que “qualquer análise às contas da Texlom terá que ter subjacente as condicionantes que sistematicamente influenciaram a sua actividade, entre as quais destacam-se: elevadas taxas de juro sobre os créditos contraídos à banca; dificuldade de assegurar um abastecimento regular da matéria-prima e matérias subsidiárias; baixo poder aquisitivo da população, dificuldade de acesso ao mercado interno devido a concorrência movida pelos produtos importados, elevados de custo de operação, para uma fábrica estruturalmente integrada. Era este o cenário que a empresa vivia. Pateguana explicou, sem avançar números, que a empresa estava super endividada e, como resultado, já não podia recorrer ao mercado financeiro para a obtenção de divisas necessárias. Estes três factores conjugados, levaram a que, na década de 1990, a Texlom entrasse em “queda livre”.

Tentativa de travar a queda

Higino Pateguane narra que, estando a empresa quase moribunda, os sócios tiveram que adoptar uma estratégia. Havia que se desenhar um quadro de cooperação estratégica com a FONCAR, uma empresa portuguesa que se dedicava a produção e comercialização de têxteis. Em 1995, conta Higino, é criada a SOGETEX, uma Sociedade de Gestão de Têxteis. A Texlom, juntamente com a Emose e a GPT (Gestão de Participações Têxteis, SA) fica sócia da SOGETEX. Estrategicamente, a Texlom assinaria um contrato de cessação, ou por outras, a nova entidade passaria a gerir a fábrica. No quadro deste acordo, previa-se a sua reabilitação e modernização, ao mesmo tempo que se faria o seu saneamento financeiro. Os dados a que o Meianoite teve acesso indicam que este contrato vigorou durante 2 anos, portanto até 1997, altura em que a GPT abandona a sociedade. De resto, os ex-trabalhadores têm, em memória, este acordo, por isso, como não houve explicação do seu término, dificilmente aceitam qualquer justificação. “A empresa estava em condições de produzir”, dizem. Por sua vez, Higino destacou que “é importante reconhecer que a celebração deste acordo não trouxe quaisquer melhorias para a empresa. Não foram realizados investimentos previstos. Os problemas laborais persistiram e os níveis de produção continuavam a quem das expectativas que haviam norteado a celebração do contrato”. Para ele, “não há dados suficientes que permitem que se faça uma análise sobre as reais causa do falhanço deste acordo, mas crê que a GPT não terá conseguido mobilizar recursos financeiros suficientes”.
A verdade é que com a saída da GPT da Sogetex, a empresa teve que parar de produzir. “Foi nesta altura que começaram as manifestações dos trabalhadores, junto às instituições do Estado.

Estado injecta 35 milhões de contos, mas...nada!

Para os manifestantes, não há dúvidas que foi má gestão que levou à paralisação da Texlom. É que, tal como explicam, com a saída da GPT, o Estado “lançou mão” intervindo, no sentido de ajudar os accionistas a relançarem a produção. Antes de injectar o capital, encomendou um estudo que foi feito por uma Comissão Técnica que integrava, entre outros, o Higino Pateguane, Ernesto Mbanze, em representação dos sindicatos, Carlos Chirindza, Paulo Djanga, em representação de outros accionistas e Estado.. O estudo consistiu em estudar as condições de relançamento da empresa e tentar apurar os montantes que seriam necessários para que o “monstro” voltasse a laborar. Foram levantados vários cenários, cerca de cinco, mas o fundamental foi que se chegou à conclusão de que o Estado devia injectar cerca de 35 milhões de contos. De resto, é este dado que os ex-trabalhadores fixaram sobre os resultados do estudo, ou por outras, “que a empresa estava ainda em condições de funcionar”, tanto é que “o sector de tecelagem (o mais importante) era o que melhores condições apresentava”. Mas para Pateguane, “a situação estava grave”, mas “nunca se colocou a venda da empresa”. Com o dinheiro injectado, o Estado passa a accionista maioritário

1 comment:

bruto said...

Interessantissimo!!!!

Posso sitar?