Thursday, June 7, 2007

Integração Regional na SADC

Ministro da Indústria frustra expectativas ao não apresentar o documento orientador para a Integração Regional
Enquanto a estratégia demora o tempo não pára

Arão Valoi

Numa palestra bastante concorrida por economistas, académicos, jornalistas, estudantes e até entusiastas, o Ministro da Indústria e Comércio, António Fernando, frustrou as expectativas, ao não apresentar a Estratégia de Moçambique para a Integração Regional, tal como havia anunciado a Associação Moçambicana de Economistas (AMECON). O Ministro foi à palestra falar do óbvio, ou seja, de tudo quanto já se conhece sobre o processo SADC. Nada de novo. E esqueceu-se de dizer aos presentes que, faltando sete meses para 2008, ano da abertura da propalada abertura da Zona de Comércio Livre (ZCL), Moçambique ainda não possui uma estratégia orientadora sobre como pretende caminhar rumo a esse desafio.

Tudo ficou enfadonho, repetitivo e sem nada de inovativo. Aliás, enquanto o Ministro falava, alguns economistas de peso na Confederação das Associações de Económicas de Moçambique (CTA), iam saindo, de tal forma que na sessão das perguntas, os empresários, que de princípio, são os que se vão ressentir deste processo, haviam se ausentado. No final do encontro, a nossa reportagem contactou o Ministro, ao que soube que o país só terá a estratégia finalizada entre Julho e Agosto, ou seja, faltando cinco ou quatro meses para a hora “H”. António Fernando disse que “estamos ainda num processo de consultas” e só depois “teremos o documento final”.

Aliás, William Mulhovo, académico, referiu durante a sessão de perguntas, que “esperava ouvir do Ministro como é que Moçambique está preparado para o jogo, apontando que outros países, nomeadamente, a África do Sul, já estavam avançados nesse processo”. Criticou o argumento colocado pelo Ministro, segundo o qual o Governo pretende trazer ao fisco mais contribuintes, para que as receitas do Estado não se retraiam por causa da remoção das taxas aduaneiras.
O Ministro indicou que o país possui cerca de nove milhões de pessoas economicamente activas, sete por cento das quais opera no sector formal, sendo que o resto está no mercado informal. A ideia, segundo ele, é fazer com que os 93% integrem o sector formal, por forma a que passem a pagar impostos.
Para Mulhovo, não é a forma sustentável, uma vez que o Governo não possui mecanismos coerentes para fazer esse trabalho. Por um lado, porque o alargamento da base tributária de que se socorre o Ministro terá que passar, necessariamente, pela criação e estabelecimento de uma base de dados fiável sobre os operadores informais.

Por outro, porque há um aparente paradoxo entre as pretensões do Governo e a realidade no campo. Na verdade, o que acontece não é a formalização do informal. É a informalização do formal.

Com esta situação, nada mais resta ao Governo do que a opção pelo agravamento dos impostos directos. Para Mulhovo, “é óbvio que quem vai sofrer as consequências são os contribuintes”. A África do Sul, tal como disse, está a trabalhar no sentido de diversificar a economia, por forma a que esta seja capaz de enfrentar qualquer que seja a consequência decorrente do processo e ao que tudo indica, as populações não serão afectadas de forma drástica.
Outro grande constrangimento é o facto de esperar-se um agravamento nos impostos, enquanto que a evolução do salário mínimo nacional não acompanha, nem deverá, a curto e médio prazo, acompanhar essa dinâmica. A título exemplificativo, o mais recente reajustamento salarial foi fixado em 14%, ou seja, um aumento de cerca de 200 Mt no antigo valor que era de cerca de 1400 meticais. Com a subida da carga fiscal, os 200 Mt ficarão corroídos, não só por esse factor, mas também pelo agravamento do nível geral dos preços.

Belmiro Rodolfo, do Centro de Estudos Estratégicos do Instituto Superior de Relações Internacionais (CEEI-ISRI) apelou ao Governo para que trate a questão de integração regional de forma séria. Chamou à reacção dos empresários e outros agentes económicos do país, uma vez serem eles a força motriz do país, sobretudo neste processo. “Era preciso ouvir os agentes económicos, quanto produtores. Queremos saber qual é a visão deles, do sector privado, em geral”, sublinhou Rodolfo, lamentando o facto de os empresários não se pronunciaram sobre o que se passa na região.
Para este académico, era importante que os debates envolvessem outros sectores do Aparelho do Estado, tais como a Justiça. “Com o Made in Mozambique, diz-se que o produto nacional tem qualidade. Podemos supor que sim. Mas se eu adquiro produto nacional e este não possuir a qualidade desejada, onde irei recorrer, se o sistema da justiça não funciona?”, questionou.

O jurista e advogado Máximo Dias referiu que “as nossas empresas vão fechar, porque não estão em condições de concorrer com as suas congéneres sul-africanas”. Segundo ele, vão falir os produtores de tomate, de cebola e outros. Ademais, “o nosso país não tem, à semelhança da RSA, um Banco de Agricultura”. Trata-se de um debate que, para Máximo Dias, já tem barba branca, mas nada avança. E disse mais: “mesmo que se encontre no país um produtor, em termos concorrenciais, o mesmo não terá estradas para fazer o escoamento dos seus produtos”.

Máximo Dias acrescentou que a maioria dos produtores moçambicanos não está preparada para produzir com custos baixos. E o resultado, na sua óptica, “é tão simples: Moçambique vai transformar-se num país de prestação de serviços, enquanto que, em matéria de produtos agrícolas, vai ser um distrito da África do Sul”.
Para ele, o argumento de que o Orçamento Geral do Estado, “dependente em mais de 50% de apoios externos”, não vai ressentir-se é falso. E alerta para o facto de, se os doadores deixarem de apoiar o OGE, “termos de fazer das tripas, o coração”.

João Massango, um dos participantes acrescentou que “é responsabilidade do Governo incentivar a produção nacional e, para isso, todas as empresas nacionais deviam ter o selo Made in Mozambique”.

Alguns participantes que preferiram ocultar seus nomes criticaram o Governo pela forma como tem estado a orientar um assunto tão sério quanto a integração regional. Um deles, por sinal de nacionalidade chilena, disse que “se Moçambique não está em condições de concorrer com os outros na produção da cebola, batata e de tomate, a solução seria deixar de produzir e apostar nas importações”.
Para ele, hoje em dia os países apostam mais em sectores nos quais apresentam vantagens comparativas. “Moçambique é competitivo nos ramos de turismo, serviços, pesca e outros. É nesses sectores que deve apostar e que deixe os outros para os países vizinhos”, destacou. De acordo com o mesmo participante, o processo de integração do Chile no Mercosul foi semelhante ao que se passa com Moçambique na SADC. “Chile era grande produtor de farinha de trigo, mas quando comparado com Argentina, não era competitivo. Com a integração, teve que abandonar o trigo e agora é grande produtor de banana”.

Por seu turno, Adolfo Inguana, docente no ISRI, questionou o modelo como é feita a integração na SADC. Começou por destacar que a SADC não está a trazer nada de novo neste processo, uma vez que já há exemplos de sucesso, nomeadamente a União Europeia. Porém, para ele, a UE levou cerca de 50 anos para se integrar, efectivamente. Por esse motivo, questionou como é que a SADC pretendia o fazer em cerca de 18 anos. Ademais, este grupo de países não possui, à semelhança da União Europeia, um fundo de ajuda, através do qual poderia alavancar as economias mais fracas. Citou os casos de Portugal, Espanha e outros países europeus que foram os principais beneficiários desse apoio na União Europeia. “Não me parece que a África do Sul, o gigante económico da região, esteja preocupada com isso”, ajuntou.

Discurso repetitivo e nada de estratégia

Ao começar a sua “oração de sapiência”, António Fernando tentou jogar na defensiva, afirmando que “não ia dar palestra, mas sim falar”. De resto, acabou falando. Começou por dar o contexto histórico do processo. Extrapolou a região em grupos de interesse, a saber a SACU, uma União Aduaneira que engloba a RSA, o Lesotho, a Namíbia e a Suazilândia; a COMESA, (Mercado Comum para África Oriental e Austral), e ainda um outro grupo de interesses constituído pela Tanzânia, Quénia e Uganda. Na verdade, ao debruçar-se sobre esta matéria, António Fernando quis dar entender a que a região está, mais do que nunca, dividida, o que poderá trazer consequências graves para a integração regional, uma vez estar provado que “tecnicamente, é impossível um único país pertencer a duas uniões aduaneiras”. A COMESA, por exemplo, tenciona estabelecer uma união aduaneira em 2008, antecipando as pretensões da SADC que fixou o mesmo objectivo para 2010. E se isso acontecer, que farão os países que, simultaneamente, são membros da SADC e da COMESA? O Ministro não respondeu. Paul Fauvet, jornalista da AIM tentou debruçar-se sobre esta matéria. Apenas disse que “terão que fazer opção”. Ou ficam na SADC ou na COMESA.
António Fernando recordou o calendário estabelecido para a integração regional. Alertou que a fase mais próxima é a que vem logo a seguir: a da ZCL. Explicou que quando esta fase chegar, o que vai suceder é que “cada um dos países membros vai manter sua tarifa externa sobre o Comércio Internacional (CI). No entanto, a nível da região entrará em jogo o que se chama “critério de regra de origem”, definindo-a como “o nível de incorporação do valor”. Voltou a dar o exemplo do sector têxtil, em que se exige “a dupla transformação”, ou seja, “uma camisa só será considerada nacional se a transformação do algodão ter sido localmente e se ela tiver sido feita dentro do país”. caso contrário, terá que pagar uma certa taxa aduaneira na exportação. Para este sector, o Ministro reafirmou que “Moçambique não está em condições de cumprir com as regras de origem”, prometendo melhores dias no futuro, já que “há notícias segundo as quais a Texlom poderá reabrir dentro em breve”.
Explicou também que na União Aduaneira, em 2010, os direitos a serem cobrados vão para o mesmo “saco” e em função da participação de cada país, far-se-á a distribuição.

Tarifas em queda, OGE sustentável

Em 2000, a tarifa máxima aplicada no Comércio Internacional baixou de 35 para 30%. Em 2002, caiu de 30 para 25% e em 2003 de 25 para 20%. Mas apesar disso, salienta o Ministro, a receita fiscal subiu. A subida registou-se, quer no Imposto sobre o Valor Acrescentado, quer no Imposto sobre o Comércio Externo. Explicando as razões do aumento da receita apesar da baixa das taxas aduaneiras, o Ministro explicou que “com as tarifas baixas, estimula-se as importações”, ou seja, “muito mais empresas podem comprar”. Salientou que “o aumento dos impostos foi, em média, de 20% ao ano”, o que, na sua óptica, “terá impulsionado o crescimento da economia em 7%”. Por sua vez, os níveis de emprego registaram melhorias e os trabalhadores tiveram que pagar mais impostos, tais como o IRPS. O Ministro fez uma projecção que mostra que até 2015 a receita vai continuar a subir. Apelou aos participantes para que “deixem de considerar a fronteira como fonte de rendimento”, uma vez que “a solução é o Made in Mozambique”.

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