Nem todos vêem com bons olhos a criação do Banco de Desenvolvimento
O secretismo da banca comercial
Arão Valoi
Desde que em Setembro de 1997 foi privatizado o Banco Popular de Desenvolvimento (BPD), com quase 200 milhões de Meticais de crédito malparado, o país ficou sem um banco com competências e com experiências cristalizadas para o financiamento ao desenvolvimento. Começaram a surgir sérios debates sobre a necessidade de criação de um novo banco com características e vocação semelhantes àquele. A ideia já criou diversas reacções. O Governo diz que está a ponderá-la. O sector privado está a pressionar, uma vez que sente falta de instrumentos financeiros para a materialização dos seus projectos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) manifesta-se contrário, uma vez que pensa que, à semelhança do BPD, esse banco poderá ser usado pela elite política para a obtenção de fundos para fins obscuros. A banca comercial diz apoiar a iniciativa, mas também têm estado, em surdina, a contestar a sua criação, uma vez que teme que se gere uma situação de concorrência, já que diz ter certeza que as taxas de juro terão de ser concessionais.
Já há muito que se debate a re-ivenção do Banco Popular de Desenvolvimento, privatizado em 1997. Empresários e economistas acreditam que, por causa dos condicionalismos impostos pela Banca Comercial, aliados à sua incapacidade em cobrir necessidades financeiras avultadas, nomeadamente, financiamentos a infra-estruturas, o país deveria institucionalizar um mecanismo mais prudente que servisse para financiar projectos de grande envergadura.
Mas no meio destes debates, há quem discorde, embora em surdina, da criação desta instituição financeira. É a banca comercial. E o receio é lógico. Teme-se que este novo banco que, “terá de praticar taxas de juro concessionais”, segundo Magid Osman, PCA do BCI/Fomento, trave um efeito concorrencial fora do comum e que retire da banca comercial, grande parte dos seus negócios. Aliás, Osman fez um estudo, diga-se, profundo esta problemática. O estudo está na posse do Meianoite e nalguns extractos nota-se alguma indignação por parte daquele economista, sobretudo quando afirma que “...o Banco de Desenvolvimento teria de competir com a banca privada na mobilização das poupanças nacionais limitadas e, para o efeito, teria de remunerar as mesmas a taxas muito próximas das do mercado. Em consequência, as taxas de juros a praticar na concessão de empréstimos seriam ligeiramente inferiores às dos bancos comerciais, tornando-as incomportáveis para o financiamento de infra-estruturas”.
Magid mostra outros argumentos para fazer valer o seu “não” a este banco. Tal como escreve, “a banca moçambicana (comercial) também tem vindo a financiar as empresas privadas e públicas moçambicanas, aumentando constantemente a taxa de conversão de depósitos em empréstimos e, em certos casos, os financiamentos são de montantes elevados como é o caso do financiamento a importadores e distribuidoras nacionais de combustíveis e, para o efeito, os bancos locais têm de obter garantias externas”.
O PCA do BCI/Fomento afirma que “obviamente, a justificação para a criação de um Banco de Desenvolvimento não pode ser a de que os outros países também o têm, pois pode-se contra-argumentar que existem muitos países que não o têm. Além disso, muitos dos bancos referidos são de países desenvolvidos e têm por objectivo canalizar a ajuda externa, que não é o caso de Moçambique, e outros reflectem as circunstâncias históricas do momento pelo que não podem ser pura e simplesmente copiados”. Acrescenta que o referido banco não pode ser usado como panaceia para os problemas de desenvolvimento de Moçambique. “Para alguns, o Banco de Desenvolvimento poderá ser a solução para muitos problemas críticos do nosso processo de desenvolvimento, na convicção de que a ausência de créditos facilitados constitui “per si” maior obstáculo ao desenvolvimento acelerado e sustentado. A ausência de instrumentos especiais que facilitem o acesso a recursos financeiros é, de facto, um dos problemas que urge resolver, mas não é único e, se calhar, nem é o mais estratégico pois, mesmo resolvendo este (o de crédito), os outros ficarão por resolver”, escreve Magid Osman alertando que “se um banco for criado com estas expectativas – o de panaceia para outros problemas críticos de desenvolvimento, então a sua criação é certamente um erro, pois os outros factores críticos não serão tratados atempadamente, exacerbando, entretanto, os problemas da pobreza rural, de desigualdade regional, de ausência de um empresariado nacional, etc.. cuja solução, no futuro, se tornará mais difícil e complexa”.
Um banco para financiar as infra-estruturas?
“Habitualmente, os bancos de desenvolvimentos estão associados aos financiamentos concessionais para infra-estruturas públicas ou privadas ou para grandes projectos. No caso particular de Moçambique, alguns dos defensores de um banco de desenvolvimento estão conscientes que o banco pretendido não é desse tipo”, insiste Osman e passa a explicar: “indiscutivelmente, Moçambique tem grande carência de infra-estruturas económicas e sociais – de barragens, regadios, estradas, escolas, hospitais, rede electrificada etc., quer geridas pública ou pelo sector privado. As nossas taxas de crescimento económico dos últimos anos só foram possíveis porque a formação bruta de capital fixo atingiu em média os 25% do PIB, representando o investimento público cerca de metade desse valor. Isto é, o Estado tem vindo a investir cerca de 12.5% do PIB em média nos últimos anos, ou seja, um montante situado entre 400 a 500 milhões de USD/ano. Sendo o investimento público, na sua quase totalidade, financiado pela “ajuda externa”, poderá um Banco de Desenvolvimento substituir-se ao apoio da comunidade internacional ou, numa versão minimalista, complementar o esforço actual, acelerando assim o processo de construção de infra-estruturas”?, questiona. Logo de seguida, Magid explica que “ignorando para já a problemática sobre a capacidade de absorção, de gestão e sobretudo da manutenção de mais infra-estruturas, concentremos na questão simples mas importante sobre a origem de fundos, dos 400 a 500 milhões de USD/ano. Poderão os fundos necessários resultar de poupanças nacionais ou do Orçamento do Estado, ou de uma combinação destas duas fontes? Nos últimos dois anos, a captação de poupanças (aumento de depósitos mais emissão de títulos de dívida pública e de particulares com excepção dos subscritos pelos bancos) pelo sistema financeiro, terá sido em média da ordem dos 250 Milhões de USD/ano, portanto, muito longe dos 400 a 500 milhões de USD de investimento público anual, para além da questão da concorrência que seria travada entre a banca comercial e o de desenvolvimento na captação dessas poupanças”.
Casos extremos vs. consequências
Para Magid Osman, mesmo numa situação extrema de os juros serem assumidos total ou parcialmente pelo Orçamento Geral do Estado, será necessário amortizar o capital mutuado para garantir a integridade das poupanças e são poucos os investimentos em infra-estruturas que podem assegurar a amortização do capital mutuado. Por outro lado, escreve ele, o uso de poupanças nacionais para financiar as infra-estruturas pela via do Banco de Desenvolvimento teria as seguintes consequências:
● Reduziria substancialmente os fundos disponíveis para a concessão de empréstimos pelos bancos comerciais ao sector privado, tornando o processo de atribuição de crédito ainda mais selectivo e elevando significativamente as taxas de juro, pois a oferta de crédito reduzir-se-ia dramaticamente ;
● O financiamento de infra-estruturas por poupanças internas aumentaria a pressão sobre o metical pois, uma parte dos investimentos em infra-estruturas são em divisas e, sem o financiamento externo, o défice da balança de pagamentos seria agravado, quase que forçando o país a voltar ao regime antigo de decidir a afectação das escassas divisas pela via administrativa;
● Finalmente, o Orçamento Geral do Estado não tem capacidade para financiar um Banco de Desenvolvimento na dimensão referida, isto é, como provedor de meios financeiros nem mesmo para assumir o serviço da dívida, pois ainda tem muitas necessidades por satisfazer, como é o caso, por exemplo, da manutenção das infra-estruturas.
“Estamos 100% de acordo”- João Figueiredo, millennium bim
O Director Executivo do millennium bim, detido maioritariamente pelo grupo português millennium BCP, João Figueiredo disse apoiar em 100% a criação de um Banco de desenvolvimento. “Eu tenho dito isso em todos os fóruns públicos, uma vez que a vinda de um banco deste tipo é importante”, frisou anotando que “nós no millennium bim apoiamos a iniciativa”. O que é importante, explica, é que se faça uma discussão séria. Parte do pressuposto de que o Banco de Desenvolvimento tem uma vocação que os bancos comerciais não têm. “Estes não poderão actuar em determinados locais onde aquele actua, não porque não queiram, mas porque falta-lhe capacidade, o skill e toda a capacidade financeira e institucional para o fazerem”, sublinhou. No que se refere as taxas de juro, Figueiredo disse simplesmente que “a concorrência é salutar”. Quando aparecer com as taxas de juro mais baixas, a regulação caberá ao Banco Central, mas o importante “é que há projectos que só são sustentáveis com taxas de juro subsidiadas”. Nessa óptica, discute a fonte, “a banca comercial só pode funcionar como subsidiária e complementar ao alegado banco”.
“É bem vindo”- António Matabele, Banco Mercantil e de Investimentos
António Matabele, Presidente do Conselho de Administração do Banco Mercantil e de Investimentos (BMI) também refere que “as áreas em que actua um banco de desenvolvimento são diferentes daquelas em que actua um Banco Comercial”. Segundo ele, o banco a ser criado irá estabelecer as pré-condições para que os bancos comerciais encontrem espaço propício para o exercício das suas funções. Ou seja, enquanto um Banco de Desenvolvimento, por exemplo, pela estrutura dos seus capitais, deve financiar operações de médio e longo prazo, tais como a construção de ferrovias, de infra-estruturas, barragens, represas, estradas, armazéns, infra-estruturas que vão catapultar o desenvolvimento, os bancos comerciais (que regra geral não tem uma estrutura de capitais capaz de suportar este tipo de financiamentos) vão se limitar a operações do dia-a-dia, de curto prazo. Matabele lembrou que o Banco Popular de Desenvolvimento fazia este tipo de operações. “Devia, por exemplo, financiar o regadio de Chókwè e fazer com que aquela região se tornasse celeiro do país”. O PCA do BMI referiu que, normalmente, os accionistas de um banco de desenvolvimento são de grande envergadura e, aliás, “o próprio Estado entra a participar”. Quanto a questão das taxas de juro, Matabele destacou que “os bancos comerciais têm cotações comerciais” e é lógico que seja assim, uma vez que “são operações pequenas e de curto prazo”, enquanto que as de um Banco de Desenvolvimento “são mais concessionais porque a temporalidade do prazo de financiamento é grande e isso implica taxas bonificadas”.
FMI distancia-se do banco
“Parece pouco realista a opção de a comunidade doadora, incluindo as instituições financeiras, colocarem os seus fundos na dimensão referida num Banco de Desenvolvimento nacional, delegando nos órgãos sociais deste o poder de decisão e de escolha das infra-estruturas a financiar”, destaca Osman no seu estudo. De resto, o fundo Monetário Internacional já se manifestou contrário a este banco, tendo em conta o que aconteceu com o BPD, que até a data da sua privatização, tinha montantes avultados de créditos malparados, aventando-se a hipótese de as figuras bem posicionadas terem-se aproveitado do facto. Ora, Magid acrescenta, nos seus escritos que “mesmo sob ponto de vista político, seria insustentável o facto de o poder de decisão ser deslocado de um Governo eleito para tecnocratas de um Banco de Desenvolvimento que, num cenário destes, passaria a ser o interlocutor privilegiado dos doadores e das instituições internacionais”. Na sua óptica, o Estado pode sempre decidir que vai, na medida do possível, financiar infra-estruturas que considere politicamente importantes, mesmo quando não tem o apoio de doadores como é o caso da ponte sobre o Rovuma, ou decidir intervir no mercado de habitações aumentando a oferta de casas e, para o efeito, subsidiar as taxas de juro de crédito à habitação mas, para isso não necessita de um Banco de Desenvolvimento, pois pode fazer directamente através do Tesouro, utilizando a banca comercial. Portanto mesmo no cenário em que a intervenção do Estado visa complementar o actual esforço de investimentos em infra-estrutura não justifica a criação de uma nova instituição”.
Thursday, June 7, 2007
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment